Glass & Bellini

masturbações literárias a quatro mãos

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domingo, agosto 20, 2006

O DESPERTAR DA ADORMECIDA

" ― Não te amo mais."


Das delícias de flanar sem coleira,
ele então não sabia.

mais dormia.


até que a agulha dolorida na veia veio ver, a bolha do destino coagulado rompeu
seu sono alheio
e a cama se tornou
insustentável sob as quatro patas firmes do que antes fora
bom.

caiu ele num sonho
e viu
a cidade de ponta cabeça,
vertiginosos edifícios passando rápido pelo brilho das janelas
o sol incendiava

vidros, cenas girando iguais
ao casamento dos seus pais

ei-lo aqui, no chão olhando pra cima, revolto belo homem
desadormecido.
olha que linda sua mão caída,
o quanta da criação que nele se escondia…

A paisagem inalterada do sonho
de novo vinha
ele se olhava todo juntando as partes de si
fechava a mão
e se reconhecia.

busto, pau, agora até hálito
de homem solteiro
ele tinha,

lutaria, amaria,

― Quem é que pode com você?, disseram.
Nem ele mesmo podia, então levantou-se e se deixou levar como uma cesta. Vazio, cheio, vazio… o momento dava o mote e ele ia estrada afora, lupinamente chapeuzinho, comendo a vovó da vez por partes.
Um dia baixou o caçador e ele percebeu que contos de foda funcionam até determinada idade. Depois cansam, não convencem mais. São necessárias mentiras mais elaboradas, nível universitário, tipo cinema francês.
Com um Bandeira na mão, no último encontro, percebeu que os corpos, assim como as almas que nem sempre se encaixam, embora dotados de plasticidade, não são tijolinhos de lego. O entendimento entre dois ou mais está em cada um, na medida em que tudo se preenche do significado possível. Pra ele nenhuma das possibilidades apresentadas servia mais.
― P,M ou G?
― Tem extra-large?
Guardou o pinto de borracha preta na mochila e saiu da sex-shop acompanhado da certeza feliz de um cão sem dono. Na cinemateca do outro lado da rua rolava um Godard que ele já tinha visto.
Foi direto pra casa por um caminho diferente, desses que só se pode fazer a pé.